2013-04-28

Deambulações no tempo

A Ponte rodoviária sobre o Arade (a que podemos chamar “ponte velha”), sobre a qual já se passava em 1875, tem permitido contemplar, à noite, a entrada na cidade com amplos reflexos na água do Arade, apresentando parte da Frente-Rio. Sempre achei esta entrada lindíssima. Há algumas décadas, se entrássemos de dia, talvez víssemos os pescadores a descarregar peixe das traineiras, jogando habilmente cestas de peixe em arremesso. Lembro-me de minha mãe, que Deus tem, nascida em 1925, dizer-me que vinha de carroça de bestas de Estômbar e, ao passar a ponte, nos intervalos do passadiço, via-se o rio lá em baixo. Outros tempos.


Ah, a Praia da Rocha! Uma praia de referência a nível internacional. Imaginem que ainda tenho uma vaga ideia dos “Três Ursos” e da colocação de areia em toda a extensão que, se bem me lembro, decorreu no Inverno de 1969. Naturalmente, a “Rocha” mudou muito desde esse tempo, em muitos sentidos. Pululam os bares com duas ou três televisões, música alta, e bombardeamento sensorial geral. Há alguns anos, depois de uma formação, fui com um grupo à discoteca “Katedral” (suponho que é assim que se escreve). Era o pico do Verão. A música da discoteca era tipo “martelamento” sonoro permanente, sem um tempinho para aqueles “slows” de outrora. À saída, por volta das 3 da manhã, dois indicadores me revelaram que a vida nocturna se abastardou. Eu e o grupo encontrámos um autêntico batalhão de polícia à saída da discoteca, indicador de violência potencial. Depois, cá fora, espojados, alguns jovens (não deviam ter mais de 16 ou 17 anos) “curtiam” o excesso de álcool (quem sabe se um ou outro tenha ido parar ao hospital em coma alcoólica!). Enfim, vida noturna (?!).

Em miúdo, em grupo, cheguei a ir às ruínas do Convento de S. Francisco, como que à procura do templo perdido, uma espécie de candidatos a “Indiana Jones” à porta de casa. Mesmo estando em avançado estado de degradação, lá andámos pelo Convento, passando por pórticos, claustros e salas, pisando ervas e entulho.

Provavelmente o leitor conhece aquele canhão antigo, que está no pátio das esplanadas da Fortaleza de Santa Catarina. Em criança subia-lhe para cima, cavalgava-o, como que a desafiar os mouros num horizonte imaginário. Vêm-me à memória a poesia desse génio da literatura universal que foi Pessoa, com poemas como “Quando as crianças brincam…”, emblemáticos de uma estética literária tocante e às vezes comovente. Tive em tempos um professor (de Direito, imagine-se!) que me disse que a literatura (e a poesia em particular), é atualmente a única forma de escrita verdadeiramente livre, uma vez que escapa ao monolitismo concetual, redutor e unidimensional, padronizado e sem alma, do discurso tecno-científico.

Há algumas décadas não havia a Igreja do Amparo, só a capela. Já lá está no outro mundo o saudoso padre Arsénio, que deixou saudades. Na relação da antiga capela com a Igreja que se construiu, sempre vi ali um exemplo do que se poderá chamar “desenvolvimento integrado”. Precisamente porque o novo (a Igreja), veio “integrar” o velho (a capela). O novo, em vez de destruir o velho, até o valorizou. Este procedimento podia servir de “paradigma”, digamos assim, para muitos outros empreendimentos, que se guiam por uma máxima destrutiva do tipo “abaixo o velho, ordem para modernizar”. E quantas vezes “modernizar” significa destruir! Ah, as palavras com que rotulamos as ações e as coisas!