Perscrutando em meus papéis antigos, reli com agrado um artigo intitulado “Portimão, cidade de gente”, que pretendo recordar. Escrito por João Anacleto e Augusto Marcelino, e saído duas vezes em versões diferentes em dois jornais, nos idos anos de 1982 e 1984, é um daqueles textos que vale a pena recordar, uma vez que nos desperta para a beleza arquitectónica e artística de algumas habitações em Portimão, infelizmente poucas, uma vez que, no dizer dos autores, e como sabemos, “Não tem Portimão um passado de grande projecção que tivesse criado uma tradição urbana significativa e nos deixasse testemunhos notáveis do ponto de vista arquitectónico e artístico”.
Mesmo assim, diziam os autores no artigo: “Abundam nas ruas de Portimão belas fachadas de azulejos policromos, de tipo predominantemente geométrico, formando largos painéis que cobrem toda a frente dos edifícios. Geralmente, varandas e janelas do segundo piso são ornamentadas por trabalhos de ferro forjado, num jogo de simetria em relação à largura. A parte superior das fachadas é rematada por uma faixa também de azulejos distintos dos anteriores, com elementos da flora e da fauna, de belo efeito decorativo. A estas bandas de azulejos sobrepõem-se finas balaustradas de porcelana que, nos vários edifícios, têm colunelas quase sempre do mesmo formato.” E acrescenta: “De diferentes pontos das balaustradas elevam-se estátuas, também em faiança, de rainhas, santas, figuras mitológicas (…)”.
E os autores convidam-nos e incentivam-nos à observação atenta: “Levante o leitor os olhos do chão e, ao caminhar por algumas ruas da nossa cidade, ficará surpreendido com a beleza de algumas fachadas de azulejos que ainda aí estão, marcando uma época de evolução da cidade.” Aqui, os autores lembram-nos especialmente três ruas de Portimão: a Rua Infante D. Henrique, a Rua Santa Isabel e a Rua Serpa Pinto, que conservam ainda construções emblemáticas da Arte Nova do princípio do século passado, que contrastam com outras do tempo do salazarismo, “construções monolíticas, imponentes na sua pesada horizontalidade e volumetria (como algumas construções na Rua da Olivença e na extremidade sul da Rua do Comércio).”
E recordemos também o jardim do largo 1.º de Dezembro, acabado em 1931 (em frente ao actual e imponente TEMPO, Teatro Municipal de Portimão) e seus elementos artísticos e decorativas. Mais uma vez, aqui vai outra citação relativamente longa dos autores, que vale a pena: “No topo norte, ladeando as escadas que dão acesso ao jardim, há dois candeeiros de concepção notável, exemplos da Arte Nova dos fins do século XIX, princípios do século XX. Uma base de calcário une-se harmoniosamente à parte superior de um corpo de mulher que segura um candeeiro, formando um todo esguio, expressivo e bem lançado. As alas do jardim são bordejadas por rodapés a todo o comprimento, rodapés de azulejos amarelos e azuis, ligando-se a oito bancos onde, também em azulejos, se representam cenas da nossa História”.
Curiosamente os autores também referem que a baixa de Portimão tinha sido amputada com a demolição do coreto “antigo”, chamemos-lhe assim. O “novo” coreto veio mitigar essa amputação… décadas depois!
Então, na primeira metade dos anos 80, a exortação dos autores, no sentido de apreciarmos em Portimão a beleza das habitações e dos elementos artísticos e decorativos à nossa volta mantem-se atualíssima! Por isso tive gosto em citá-los. E até, em minha opinião, textos publicados outrora poderiam ser ciclicamente lembrados.